Tenho a sensação de abandono. O
facto da da neurologista me ter dado alta, foi como se eu tivesse sido rejeitado.
A doutora tinha-me dito, “vá para casa e faça uma festa, você não tem
Alzheimer”. Confesso que naquela altura senti mais desilusão que alegria, até
porque interiormente sentia a memória mais vulnerável. A doutora limitava-se a
falar comigo, a insistir no exercício físico, a ler, a não me deixar cair no marasmo.
Em não me meter na cama. Mas ter-me mandado embora, não ajudou muito.
Como se tivesse sido despedido sem justa causa!
Eu gostava de acreditar nas
palavras da médica, mas se esta contínua perda de memória não é prenúncio de
Alzheimer, alguma coisa tem de ser. A médica pode não ter resposta, mas a
solução não é mandar-me embora. E o problema é que pouca gente acredita que eu
possa estar doente. “Isso não é esquecimento, é falta de atenção, dizem-me a
cada passo”.
Acontece com alguma frequência,
estar num jantar de família e interromper os outros para dar a minha opinião e
quando vou a falar, nem me lembro, nem do que ia dizer nem do tema da conversa.
Tudo durante cinco ou dez segundos.
A dona Rosa ia todos os dias ao
café que eu frequento. Sofria de Alzheimer. Quando se ia embora nunca se
lembrava se já tinha pago o café e os bolos. Mas não morreu da doença. Há dias
incendiou as próprias roupas e foi deitar-se na cama.
Há tempos fiz um jogo comigo
mesmo. Recortei cem fotografias de uma revista, tudo gente que eu conhecia.
Gente do cinema, das artes, da política, do desporto, pessoas que eu já soube o
nome. E tentei identificar todas elas. Consegui dizer o nome de sessenta. Não
sei dizer se é bom ou se é mau, são figuras que entram todos os dias pela porta
dentro, através dos jornais e da televisão. Eu até achei que o resultado nem
era mau, apesar de não me lembrar do nome do treinador, campeão europeu de
futebol, engenheiro Fernando Santos.
Inadmissível!
Um dos grandes problemas é quando
me fazem uma pergunta e eu não consigo responder de imediato. Por muito fáceis
que as perguntas sejam, muitas vezes o cérebro trabalha em câmara lenta e não
consigo dar uma resposta imediata. A consulta à memória leva mais tempo do que
aquele que o meu interlocutor aguenta esperar. Às vezes mais que cinco
segundos.
“Não estás a ouvir? Mudaste as
pilhas dos aparelhos?
Há dias perguntei a um amigo: “Já
o cumprimentei?”. “Foi mesmo agora - respondeu ele. – Há uns segundos!
Félix Lamartine
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