Tenho dias que fico calado,
silencioso, distante, apático, os olhos postos num ponto qualquer, absorto sem
nenhum propósito, como se não soubesse o que fazer no minuto seguinte. Às vezes
apetece-me fechar os olhos e falar para mim mesmo: “ Eu não estou cá, parti”.
Mas reajo, que não esqueci as
palavras da minha médica: “Agora é que você vai ter tempo de ver crescer a sua
neta”. E caminho todos os dias, embora seja mais correcto dizer todas as
noites. E leio. E escrevo os resumos dos livros que vou lendo, para não me
perder naquele emaranhado de histórias e personagens.
A família pergunta-me o que
tenho, digo que não tenho nada. E na verdade não tenho mesmo nada. Acordar para
mim é um sacrifício e faço um esforço enorme para abrir os olhos, para me
equilibrar. A minha mulher diz-me para eu não arrastar os pés, já notei essa
minha nova forma de caminhar. Não deve ser com certeza o peso dos sapatos.
Estou convicto que a causa desta dificuldade em levantar os pés, é a minha artrite
reumatóide que me dificulta o andar. E tropeço por não levantar os pés o
suficiente. Ainda não caí, mas já avisei cá em casa, qualquer dia estatelo-me
ao comprido.
O equilíbrio é cada vez menor,
quem for a olhar-me por trás, nota logo que não caminho a direito. A única pessoa
que eu vi caminhar desta maneira, foi o Leonardo, que neste momento está retido
em casa, com demência.
Ao jantar já esqueci o que comi
ao almoço.
O apetite já não é muito. Mas não
pensem que enjoei toda a comida cujo cheiro mal posso suportar. O leitão não me
enjoa. Nem os gelados. A minha mulher sabe perfeitamente quando a comida não me
está a agradar. É quando como só com a mão direita.
Mas não pensem que estou no fim.
Tenho uma boa razão para continuar esta minha luta pela vida.
Uma neta que vai nascer em
Setembro.
Félix Lamartine
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