sábado, 22 de julho de 2017

Leitão e Gelados



Tenho dias que fico calado, silencioso, distante, apático, os olhos postos num ponto qualquer, absorto sem nenhum propósito, como se não soubesse o que fazer no minuto seguinte. Às vezes apetece-me fechar os olhos e falar para mim mesmo: “ Eu não estou cá, parti”.

Mas reajo, que não esqueci as palavras da minha médica: “Agora é que você vai ter tempo de ver crescer a sua neta”. E caminho todos os dias, embora seja mais correcto dizer todas as noites. E leio. E escrevo os resumos dos livros que vou lendo, para não me perder naquele emaranhado de histórias e personagens.

A família pergunta-me o que tenho, digo que não tenho nada. E na verdade não tenho mesmo nada. Acordar para mim é um sacrifício e faço um esforço enorme para abrir os olhos, para me equilibrar. A minha mulher diz-me para eu não arrastar os pés, já notei essa minha nova forma de caminhar. Não deve ser com certeza o peso dos sapatos. Estou convicto que a causa desta dificuldade em levantar os pés, é a minha artrite reumatóide que me dificulta o andar. E tropeço por não levantar os pés o suficiente. Ainda não caí, mas já avisei cá em casa, qualquer dia estatelo-me ao comprido.

O equilíbrio é cada vez menor, quem for a olhar-me por trás, nota logo que não caminho a direito. A única pessoa que eu vi caminhar desta maneira, foi o Leonardo, que neste momento está retido em casa, com demência.

Ao jantar já esqueci o que comi ao almoço.

O apetite já não é muito. Mas não pensem que enjoei toda a comida cujo cheiro mal posso suportar. O leitão não me enjoa. Nem os gelados. A minha mulher sabe perfeitamente quando a comida não me está a agradar. É quando como só com a mão direita.

Mas não pensem que estou no fim. Tenho uma boa razão para continuar esta minha luta pela vida. 

Uma neta que vai nascer em Setembro.
 


Félix Lamartine

Sem comentários:

Enviar um comentário