Não demorou muito tempo a
consulta, a neurologista releu o relatório do psicólogo e disse-me:
- Sabe, vou-lhe dar alta.
“Entra aqui há cinco anos, hoje
veio com o “Manual dos Inquisidores” debaixo do braço, tem sido sempre assim,
desde que me apareceu cá no princípio, vinha da doutora Paula, tinha começado a
tomar o Ebixa, mandei-o parar, que a conversa dele, não era de alguém que
tivesse Alzheimer. Pousa o “Fado Alexandrino” em cima da secretária, como se
fosse uma guia de tratamento e diz-me que está a perder a memória. Claro que
não sou de acreditar nas palavras que me dizem assim de repente, que eu pus-me
logo a dizer para mim mesma, olha-me este, não se recorda de nada e põe-se a
ler livros do António Lobo Antunes, como se estivesse a ler os livrinhos do
Harry Potter”
Eu ainda reagi, doutora, estas
visitas faziam-me bem, daqui vou sempre mais animado para estar seis meses a
aguentar as depressões, os dias menos bons, aqueles dias que me esqueço de
fechar a porta da rua ou da água a correr no lavatório.
“Este pensa que pode ir todos os dias ao café,
tomar o descafeinado habitual e sentar-se na mesa do costume, com a “Explicação
dos Pássaros” aberto em cima da mesa e depois vir aqui queixar-se que cada vez
está pior, que já não vai ter tempo para ver nascer o primeiro neto, o senhor
Lamartine está doido, agora é que vai ter tempo de o criar”
Não fui muito exuberante, nem deitei foguetes no consultório.
Foram cinco anos de muita insegurança, de dúvidas e de medos disfarçados. Foram
cinco anos à espera do pior. De qualquer maneira foi animador. E mesmo a minha
mulher que assistiu à evolução do meu estado de saúde, também não foi efusiva, mas ficou contente.
“Faça uma festa,
convide a sua família, os primos de Celorico e de Valadares, os amigos e o António, especialmente
este último, que o ajudou bastante nas sua horas de ócio, puxe os cordões à
bolsa, um leitão da Bairrada, não seja avarento, afinal estou a dar-lhe motivos
para festejar, nada indica que vá ter Alzheimer, tem apenas esquecimentos de
velho, apagões de velho, memória de velho.
"Faça uma festa."
Uma festa. Às tantas um leitão
não chega. Cá bem no fundo sinto que, mais dia, menos dia, vou ter de voltar ao
hospital, às consultas de neurologia, no futuro menos espaçadas, mas não me
preocupo, enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. Fiquei simultâneamente aliviado e preocupado.
"Faça uma festa"
Voltei às minhas leituras.
Escolhi “Memória de Elefante”. Vem mesmo a propósito António.
Félix Lamartine
Eu sabia e acreditava.
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