sábado, 8 de agosto de 2015

O Livro




 Entendo perfeitamente que aqueles que estão mais perto de mim e que conhecem os meus problemas de memória, fiquem admirados por eu me esquecer de acontecimentos ocorridos minutos antes. É que de dia para dia, vou perdendo faculdades, que ao comum dos mortais causam alguma admiração por terem ocorrido uns segundos antes. "Ainda agora falamos nisso", costumam dizer.

Diariamente vou apontando os nomes ou as palavras que eu esqueço. Uns dias a lista é maior do que outra. Mas essas listas têm uma coisa boa, que é memorizar esses nomes e não os esquecer nos dias seguintes. Mas todos os dias o número de palavras esquecidas aumenta e isso limita os meus diálogos.

Como acredito que a falta de memória pode ser combatida se a exercitarmos, lembrei-me de escrever uma história, aliás sugestão da minha filha. Tenho andado a arquitectar a história, algo que se passou há quarenta anos, na cidade de Vendas Novas, quando eu tirava a especialidade de cabo miliciano, na Escola Prática de Artilharia. Nem sei se serei capaz, tudo depende da minha capacidade de transportar para o papel algumas dessas memórias e ao mesmo tempo, inventar os pormenores de uma história que pretende ser fiel, ligeira, pícara e um pouco invulgar. No fundo, sem grandes pretensões.
 
Nas minhas conversas com Deus, muitas vezes me ouço a pedir tempo e vontade para o escrever. Estou convencido que tempo não me faltará. O problema é mesmo a vontade e a inspiração. Os compromissos não são fáceis de executar. Passamos os dias a adiar coisas de nada, porque ficamos preguiçosos e culpamos a doença pela falta de vontade. Adiamos a hora de levantar da cama, adiamos a hora de lavar o carro, adiamos o dia de ir às compras. Adiar para o dia seguinte começa a tornar-se um hábito. Tenho receio que isso aconteça com o meu livro, que vá adiando a sua escrita todos os dias e que um dia descubra que não há mais tempo para conta a minha história.

O laboratório farmacêutico Eli Lilly promete para breve um tratamento através de Solanezumab, uma droga capaz de travar a progressão de Alzheimer, se a doença for detectada numa fase inicial. É mais uma esperança que provavelmente morrerá cedo, embora só facto de sabermos que há gente e governos interessados na descoberta da cura, provoque uma esperança renovada. A sociedade actual tem grandes problemas para resolver e os interesses do capital centram-se noutras indústrias. Infelizmente, os velhos e os doentes de Alzheimer não serão uma grande preocupação desta sociedade.

Félix Lamartine

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