Nós sentimos quando a memória
começa a piorar. Esta evolução negativa é lenta e não se consegue descobrir
quando vai parar. Mas sentimos a sua degradação a cada dia que passa. E não é
só a memória a funcionar mal. A capacidade de percepção e de reacção começa
também a ser mais lenta. As respostas não são imediatas. Quantas vezes fico
parado em frente de uma gaveta, a tentar lembrar-me o que venho procurar dentro
dela?
Vivo o minuto presente. Tudo o
que se passou dois minutos atrás já é passado e corro o risco de os esquecer.
Já tem acontecido algumas vezes, sem que eu consiga lembrar-me do que estávamos
a falar. A maioria dos dias, esqueço no carro, a chave de casa. E só me lembro
delas quando constato que tenho de abrir a porta. Se não fosse a minha mulher
nunca me lembraria de tomar os comprimidos diários. Só o comprimido para dormir
é da minha responsabilidade, mas tenho que apontar o dia da semana em que
começo a utilizar cada blister.
A memória apaga-se muito
rapidamente, embora muitas das vezes ainda consiga recuperar os nomes ou o tema
de uma conversa. Perante o pedido de alguém, não posso responder “vou já”,
porque dois minutos depois, já esqueci a tarefa.
Continuo a utilizar os papelinhos
amarelos, colados por todo o lado, para me servir de ajuda. Sem eles eu estava
completamente perdido. Mas continuo a ler. Neste momento estou a ler Philip
Roth e a sua obra “Conspiração Contra a América” e não tenho problemas de
compreensão. Até porque tem uma leitura fácil, nada parecido com “Fado
Alexandrino” do António Lobo Antunes, um autor que eu nunca tinha lido, mas que
optei por experimentar, porque o homem escreve para um número limitado de
pessoas. Confesso que por várias vezes tive de recuar alguns capítulos para
entender e apanhar o fio à meada. Mas consegui chegar ao fim e estou tentado a
repetir a experiência, com outra das suas obras, escrita antes dos anos
noventa, cuja leitura não é tão complicada. É que gostei do seu estilo de
escrever, da maneira como descreve as pessoas, às vezes com algum humor.
Só a família mais chegada tem
conhecimento do meu estado de saúde. Os amigos e as pessoas com quem falo, ainda
não conseguiram aperceber-se da minha falta de memória. Continuo a comunicar
sem problemas, embora com algum esforço. Para já, a voz sai nítida e pausada.
Cientistas australianos anunciaram a possibilidade
de reverter a perda de memória, através de um tratamento por ultra-sons de foco
terapêutico que tem por finalidade a limpeza de aglomerados de beta-amilóide
tóxicos. São apenas notícias que dão esperanças aos portadores de Alzheimer,
mas que não têm resultados práticos imediatos. Mas é sempre uma esperança para
os nossos descendentes, muitos deles fortemente candidatos a herdar a doença.
Félix Lamartine
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