quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Um Abraço



Quando nos levantamos de manhã, não sabemos o que o dia nos reserva. É necessário que alguma coisa de bom nos aconteça, para que o dia não seja considerado perdido. Quando nos deitamos e fazemos a “contabilidade” do dia, procuramos ter momentos bons para recordar. Neste patamar da doença, damos importância aos gestos e às palavras daqueles que mais directamente convivem connosco. É importante chegar ao fim do dia e ficarmos com a sensação de que valeu a pena. Essas pessoas sabem como são importantes para nós. E por isso não regateiam uma palavra, um sorriso ou um cumprimento mais afectuoso.

O Pinhal trabalhou comigo na mesma empresa, durante muitos anos. Por isso fiquei admirado pelo seu aparente desinteresse pelos meus sinais e, no restaurante onde ambos estávamos a almoçar. No fim da refeição dirigi-me à mesa e vi logo que alguma coisa estava errada. Ele não sabia o meu nome. Nem me reconhecia. A mulher fez-me sinal e eu disfarcei a minha surpresa, tentando ter com o meu antigo companheiro, uma conversa normal. Mas o Alzheimer já o tinha apanhado, já nem sequer se vestia sozinho. Contamos à mulher que eu estava no mesmo barco, a fazer o mesmo percurso.

Mas estes encontros com pessoas que estão a passar por esta experiência, normalmente em estados mais avançados, deprimem-me de tal maneira, que nos dias seguintes, fico mais triste, mais pensativo, mais preocupado. Depois esqueço-me, que é uma coisa que sei fazer bem. É o lado bom da doença. Se por acaso o meu clube perde, se fico preocupado com alguma viagem da minha filha, rapidamente vou esquecendo a existência dessas preocupações.

Costumo pensar que os meus ciclos de vida se medem em segundos. Um pensamento, uma frase, uma ideia, dura apenas meia dúzia de segundos. Depois esfuma-se, desaparece e não é fácil voltar a recordá-la. Está muito difícil lembrar nomes de pessoas com quem eu falo com alguma frequência. Fica difícil disfarçar, já que as pessoas que me rodeiam, começam a reparar nas minhas frases enroladas, nas minhas faltas de memória, na minha dificuldade em contar algo que tenha acontecido no dia anterior.

Já encontrei o Pinhal depois disso e para ele já faz sentido que eu o vá cumprimentar. E noto como se sente contente pelo meu abraço. Não por termos trabalhado juntos, mas sim porque estamos no mesmo barco.

Porque sentimos necessidade de um abraço de vez em quando.

Félix Lamartine

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