Às vezes apetece-me dormir o
dia todo, sem escutar nada nem ninguém. O problema são os compromissos. Ao fim e ao cabo ainda vou tendo alguns, mas pouco relevantes. Compromisso
é uma palavra essencial para aqueles que podem estar a braços com uma depressão
e a lutar contra uma eventual demência.
À medida que o tempo avança,
começamos a perder as vontades. Existe um esmorecimento gradual, misturado com
preguiça e algum cansaço. Às vezes a “moleza” é tanto que apetece riscar da
agenda, os nossos compromissos diários. É uma luta constante entre a vontade de
não fazer nada e o respeito pelo compromisso. Apetece não ter assuntos para
resolver, telefones para carregar, jornais para comprar, cabelos para cortar,
lâmpadas para mudar, garagens para limpar, camas para fazer, pão para comprar,
doentes para visitar, lenha para comprar, cartas para responder, exercício para
fazer, medicamentos para aviar. Às vezes até funerais para assistir.
O compromisso é a palavra-chave
para nos mantermos vivos, autónomos e independentes. Se perdermos a vontade de
criar compromissos e de os cumprir, estamos a deitar fora o único capital que
temos, de nos mantermos a flutuar. Confesso que sou tentado imensas vezes pela
falta de vontade, que me deixo seduzir pelo sofá, pela cama, pela inércia, pelo
sonho, pelo nada. É cada vez mais difícil reagir.
Os meus antigos colegas da Escola
de Gaia reúnem-se todos os domingos de manhã, no “BaiChober” da Madalena. Um
pequeno almoço e algumas recordações. Nunca fui.
O meu antigo professor e amigo
Dr. Virgínio Pereira toma café, depois de almoço, na Confeitaria Tropicana, em
Espinho, esquina da Rua 19 e 28. Apesar de já não o ver há mais de quarenta
anos e de ter uma estima muito grande por esse homem, nunca lá fui vê-lo.
Todos os meses, pelo menos uma
vez por mês, realiza-se o FleaMarket, na cidade do Porto, normalmente ao sábado
à tarde. É um mercado onde se vende quase de tudo, em segunda mão, a preços bem
convidativos. O meu “negócio” são os livros usados. Nunca fui.
É este tipo de compromisso que eu
tenho de me obrigar a marcar na minha agenda, antes que seja tarde demais.
Todos nós devemos fazê-lo se quisermos viver mais algum tempo.
Sabem, eu e o Alzheimer temos
algumas partidas de xadrez para jogar. Eu sei que mais cedo ou mais tarde ele
vai sair vencedor. Mas para atrasar esse dia, eu preciso mesmo de empatar algumas
partidas.
Félix Lamartine
Sem comentários:
Enviar um comentário