Maio é um bom mês para se tomar
banho, não está calor, mas também não está muito frio. Mas mesmo em África onde estive dez
anos, eu gostava de tomar banho com água quente. Há dias, em casa de uns
amigos, eu “resmunguei” que a água não saía quente e fizemos uma série de
tentativas e o esquentador não ligava. Tiraram a pilha, colocaram pilha nova e
mesmo assim o esquentador não ligava. Só após a intervenção da minha mulher, é
que concluímos que, afinal, eu estava só a abrir a torneira da água fria. Distracções de pouca importância.
Os familiares têm sido muito especiais,
mas por vezes injustos. Ou porque nem sempre estão preparados para compreender
os meus esquecimentos mais bizarros ou porque me querem animar e não alimentar o
pessimismo. Tenho estado a preparar um dossier com pesquisas feitas na internet,
especialmente dedicada aos cuidadores, que poderá eventualmente servir para
quem vier a cuidar de mim.
Às vezes prefiro que não falem
comigo, especialmente se o tema de conversa for o futebol ou as doenças.
Consigo gerir bem esses silêncios, especialmente se tiver um livro por perto.
Também é um pouco falta de paciência da minha parte. E não gosto de estar à
espera dos outros. Quando o tempo ultrapassa meia dúzia de minutos, o estômago
fica apertado, quase dorido, dá voltas e só acalma com a chegada da pessoa.
Qualquer compromisso é uma
complicação. Não quero compromissos de espécie alguma. É como as idas ao
médico. Um mês antes, já ando a pensar nisso, especialmente por causa dos horários,
pela alteração da rotina, com os habituais papelinhos amarelos colados no monitor para não me esquecer. A gestão de compromissos não é fácil.
Há dias soube que um vizinho meu
estava com Alzheimer. A mulher contou-me uma série de histórias dos
esquecimentos do marido, como se todas aquelas episódios fossem novos para
mim. A senhora não perde a ocasião de se transformar em
vítima pelos esquecimentos actuais do marido e da demência que se aproxima. Então aquela
história de andarem todos à procura das chaves da porta e ele com as chaves no
bolso… Isso ela não lhe “perdoa”.
Ultimamente perdi a capacidade de
abrir latas de pêssego em calda. E garrafas de vinho.
Mas deve ser defeito do
saca-rolhas. Só pode.
Félix Lamartine
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