Lembram-se dos cromos de
jogadores de futebol, de raças humanas ou de animais que nós comprávamos avulso e
os colávamos numa caderneta? Pois a minha memória é como uma dessas cadernetas.
Há meia dúzia de anos, a caderneta estava cheia de nomes de amigos, de
familiares, de actores do cinema e da televisão, de escritores, mesmo os mais
desconhecidos, de gente das artes, da música, da política, antigos e modernos.
Centenas de nomes, senão milhares faziam parte da nossa memória e estávamos sempre
prontos a fazer figura, a demonstrar os nossos conhecimentos, sem necessidade
de tomar suplementos para a activar a memória.
Depois os “cromos” foram
descolando da caderneta, primeiro lentamente, depois com mais intensidade. Uma a uma as "figurinhas" foram descolando, desapareciam, às vezes voltavam, colava-as de novo, até que um dia para o outro verificava que tinham desaparecido de novo.
Perdemos a sua identidade e mais tarde a sua forma. Esquecemos que existiam
algures, às vezes bem perto de nós.
Como será a nossa vida, depois de
todos os cromos descolarem da caderneta. Como será que eu me comporto quando
desfolhar a caderneta e não vir ninguém colado nos quadradinhos daqueles que
fizeram parte da minha vida. Se a memória deixa de funcionar, sabemos que
olhamos para os outros como se fossem todos desconhecidos. Devemos pensar alguma coisa desses seres, que falam uma língua desconhecida, que nos
tocam, que falam para nós sem que percebamos o que eles dizem. Que querem que a gente coma, beba e tome banho
Lembro-me do meu pai, um dia que
eu lhe cortava a barba e via os seus olhos cravados no meu rosto, como se eu
fosse um extraterrestre. Naquela altura também ele tinha a caderneta vazia,
cheia de sombras, de rostos como o meu, que ele não sabia quem eram. Para ele eu
era nada que se movia à sua frente.
Incomoda-me esta história da
caderneta vazia.
Félix Lamartine
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