sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

A Memória



Começar a perder a memória, nem sempre quererá dizer que somos portadores do mal de Alzheimer, embora seja um dos primeiros sinais a serem detectados durante a doença. O rendimento cognitivo diminui com a idade e só quando esse declínio for acentuado é que, provavelmente, podemos ter a certeza de ser portadores da doença. Refiro-me a outros sinais, como por exemplo a incapacidade de orientação, de comunicação e de raciocínio, apatia emocional e perturbações motoras.

Enquanto mantivermos a memória a funcionar, mesmo que seja com alguns lapsos, temos que a “mimar” e não deixarmos que ela se deteriore ainda mais. Já aqui falei da leitura, que além de ser um veículo de enriquecimento intelectual, obriga a nossa memória a reter o fluxo da história, diverte-nos (ou diverte a memória) e dá-nos prazer. Raramente passo um dia sem ler meia dúzia de páginas de autores que eu gosto ou do género de leitura que eu aprecio.

A música é indispensável para desenvolver as nossas emoções, especialmente quando ouvimos o que gostamos. Gosto de vozes diferentes, que chamem a atenção, pelo seu timbre, pela sua capacidade de nos emocionar. Só para dar alguns exemplos, gosto de Cat Power, de Natalie Merchant, de Norah Jones, de Sophie Zelmani e de tantas outras que seria exaustivo mencioná-las todas. Com o Youtube não é difícil ouvirmos o que gostamos, porque os nossos intérpretes favoritos estão ali, no computador, à distância de um clique. E sem custos adicionais.

Não esquecer o exercício físico que é necessário para mantermos a mente sã. Este ano, devido à minha dificuldade em suportar o frio e a chuva, comprei uma passadeira eléctrica. Todos os dias faço entre trinta a quarenta minutos de “caminhada”, antes do banho matinal.

Palavras cruzadas, jogos de letras e de números, são um excelente exercício para a memória. Eu faço contas à mão, mesmo as mais complicadas. Escrever também é uma excelente iniciativa para estimular a memória.
Andei muitos anos a pensar escrever, mas por vários motivos foi sempre um objectivo adiado. Mas alguma coisa é preciso escrever. Nem seja um diário, onde possamos exprimir os nossos sentimentos, as nossas paixões, os nossos desencantos, a nossa raiva, as nossas ilusões e as nossas alegrias. Porque uma vida não é feita só de tristezas. Se pensarmos bem também temos os nossos momentos de felicidade. Às vezes é preciso construi-los, procurá-los, porque na maioria das vezes a felicidade está ali ao nosso lado, mesmo à mão de semear. A doença não pode limitar a nossa liberdade.

Não tenho jeito para trabalhos manuais, nem para jardinagem, nem para obras em casa. Mas quem souber, não pode desperdiçar esse dom. Estar ocupado é uma maneira de estar distraído e não ter tempo para pensar no que não deve. O exercício físico – a par do exercício mental – são indispensáveis para mantermos a nossa confiança no futuro.

Porque nós temos futuro… E é preciso acreditar nisso com muita força.

Félix Lamartine

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Esquecimentos



Esquecer-me de apagar as luzes não é grave, a não ser agravar o valor da factura da electricidade. Esquecer-me da consulta ou da pesquisa que ia fazer no computador, decidida uns segundos antes, também não é grave, porque mais cedo ou mais tarde acabo por me lembrar. O problema é quando os esquecimentos trazem consequências desagradáveis. Por exemplo já me aconteceu deixar a água do chuveiro a correr e ir sentar-me ao computador, mais de meia hora. Ou sair de casa, para ir ao café e deixar a porta da rua aberta, mais de uma hora. 

Ao empreender algumas tarefas temos de estar muito atentos, para que não aconteça nada de grave, especialmente para quem conduz. O perigo está sempre à espreita e acontece com mais frequência a quem está debilitado da memória. Não é o fim do mundo, é preciso apenas andar devagar e fazer as manobras com muita atenção. Evitar as grandes distâncias e percursos com muito trânsito.

O essencial é nunca estarmos sozinhos. A minha mulher anda quase sempre comigo e tem-se tornado uma ajuda importante, que quase não posso dispensar. Muitas vezes me socorro dela, para me lembrar as palavras que eu não consigo lembrar. Muitas vezes ela completa as frases com este ou aquele nome que “ela adivinha” eu não saber. É ela que me prepara a medicação do dia e me chama para tomar este ou aquele comprimido, apesar de serem apenas seis por dia. Tem sido uma ajuda preciosa, tornando os dias menos penosos. Nesta fase da vida sentimo-nos menos “culpados” se as pessoas que estão a nosso lado nos compreenderem e entenderem que a culpa não é nossa.

Qual é o problema de me esquecer o nome da Manuela Moura Guedes ou da Manuela Ferreira Leite? Mas garanto-vos que dificilmente me esquecerei da Cristina Ferreira ou da Tânia Ribas de Oliveira.

Hoje soube que um amigo meu está com Alzheimer. Já me tinha cruzado com ele, no consultório de Psicologia e a mulher segredou-me que ele estava com “problemas de cabeça”. Este conhecimento acaba por abalar uma pessoa, como se nós estivéssemos a seguir na lista.

O melhor mesmo é concentrar-me na Cristina Ferreira…  

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A Depressão



Quando me foi diagnosticada a depressão, eu achava que me sentia bem. Eu sempre fora uma pessoa preocupada e alguma ansiedade que eu sentia, culpabilizava a crise e as medidas de austeridade. Desde sempre fui um pouco angustiado com as pessoas que me rodeavam e aquele diagnóstico coincidiu com esse momento crítico em que Portugal estava mergulhado. Quanto mais lia, mais me revoltava contra o estado das coisas e sentia uma preocupação enorme quanto ao presente e muito mais quanto ao futuro. Talvez por isso não tenha sido uma grande surpresa a revelação de que eu estava a passar por um estado depressivo.

Na segunda avaliação, que ocorreu em finais do ano passado, a médica voltou a insistir na existência da depressão., embora menos acentuada. Hoje, volvidos alguns meses, tenho momentos em que sinto que essa depressão é real. No café que eu frequento diariamente, as empregadas dizem que pareço mais abatido, mais calado, menos comunicativo. É uma verdade que também me sinto menos expansivo na maior parte do tempo. E depois, para dificultar essa comunicação, comecei a ter problemas de audição, aparentemente sem solução. Das pessoas que me rodeiam, só a mulher, a filha e o marido, sabem dos problemas de memória com que me debato. E da depressão também, mas muitas das vezes, tenho a impressão que eles se “esquecem” desse meu estado, talvez devido à minha maneira de ser alegre como também aos meus esforços para esconder o estado depressivo.

Tão cedo não tenho marcada qualquer consulta de Psicologia, já que as avaliações estão feitas. E é pena, porque gosto de conversar com a doutora Teresa. A minha próxima consulta de Neurologia só vai acontecer em Novembro deste ano e agora com as perturbações do sono, fico mais apreensivo quanto à evolução da depressão, que eu pensava durar menos tempo a curar.

Como atrás referi, tenho tido distúrbios no sono, ocorrendo um sono excessivo durante o dia mesmo que tenha dormido bem toda a noite. Segundo li algures, é natural que haja alterações do sono, como consequência da depressão. A minha neurologista aconselhou-me a dormir uma sesta depois de almoço, para combater essa sonolência, mas por outro lado, é a hora em que eu tenho mais necessidade de sair, de tomar café, de conversar, de ler, de conviver, de me distrair.  Se eu ficar em casa a dormir, parte dos meus prazeres ficam reduzidos quase a nada. E no inverno os dias são curtos e as noites são frias.
              
O que acontece é que, por exemplo, no café, enquanto desfruto da leitura, apetece-me, quase sempre, passar pelas brasas....