terça-feira, 28 de agosto de 2018

O Riso Dos Doentes



 O Riso dos Doentes

Esqueço se já tomei o café e deixo-o ali a arrefecer, à espera que alguém se digne oferecer-me um outro. E às vezes oferecem-me, mas ficam ali de plantão à espera que eu tome o meu café
.
Sinto vontade de dormir, de me deitar, de fechar os olhos, de não pensar em nada.

Tento lembrar-me de algum nome público. De um político, de um cantor ou mesmo de um jogador de futebol. Mas todos não passam de uma imagem longínqua, sem identificação, sem um nome, sem um apelido.

Ainda conduzo, percursos pequenos, mas continuo a roçar as rodas nos passeios. Tremo quando faço marcha atrás, nunca fico seguro de não ter batido no carro de trás.

Não vai há muito tempo, chegava ao fim do dia e ficava embevecido com as boas memórias. Eram elas que me ajudavam a adormecer, consciente de que chego ao fim do dia e não tenho nada que me orgulhar.

Caminho desequilibrado e tento dissimular se alguém for atrás a seguir-me. Caminho quase como o Leonardo. Acho que já falei dele e das duas filhas. Pergunto por ele a uma das filhas, dizem-me que deve estar a cortar a barba. Isto às oito da noite

Não se morre por perder a memória lentamente, Morre-se porque já não tem memória de nada, que as imagens e os nomes desapareceram, como se a lista tivesse sido apagada. Aliás nunca se saberá se virá a morrer, porque deixamos de ter vida à nossa volta. Ouve-se as vozes ruidosas nas festas de aniversário, cantam os parabéns, é a algazarra do costume, sem qualquer respeito pela pessoa que está ali deitada na cama. O meu cunhado ri-se desdentado, eu já disse que não queria ficar desdentado como ele ou então que me proibissem de rir. Ou que me comprassem uma placa das mais baratas, para eu poder rir nas festas de aniversário.

Félix Lamartine

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