O Riso dos Doentes
Esqueço se já tomei o café e deixo-o ali a arrefecer, à espera que alguém se digne oferecer-me um outro. E às vezes oferecem-me, mas ficam ali de plantão à espera que eu tome o meu café
.
Sinto vontade de dormir, de me
deitar, de fechar os olhos, de não pensar em nada.
Tento lembrar-me de algum nome
público. De um político, de um cantor ou mesmo de um jogador de futebol. Mas
todos não passam de uma imagem longínqua, sem identificação, sem um nome, sem
um apelido.
Ainda conduzo, percursos
pequenos, mas continuo a roçar as rodas nos passeios. Tremo quando faço marcha
atrás, nunca fico seguro de não ter batido no carro de trás.
Não vai há muito tempo, chegava
ao fim do dia e ficava embevecido com as boas memórias. Eram elas que me ajudavam
a adormecer, consciente de que chego ao fim do dia e não tenho nada que me
orgulhar.
Caminho desequilibrado e tento
dissimular se alguém for atrás a seguir-me. Caminho quase como o Leonardo. Acho
que já falei dele e das duas filhas. Pergunto por ele a uma das filhas,
dizem-me que deve estar a cortar a barba. Isto às oito da noite
Não se morre por perder a memória
lentamente, Morre-se porque já não tem memória de nada, que as imagens e os
nomes desapareceram, como se a lista tivesse sido apagada. Aliás nunca se
saberá se virá a morrer, porque deixamos de ter vida à nossa volta. Ouve-se as
vozes ruidosas nas festas de aniversário, cantam os parabéns, é a algazarra do
costume, sem qualquer respeito pela pessoa que está ali deitada na cama. O meu
cunhado ri-se desdentado, eu já disse que não queria ficar desdentado como ele
ou então que me proibissem de rir. Ou que me comprassem uma placa das mais baratas,
para eu poder rir nas festas de aniversário.
Félix Lamartine