As pernas teimam em não querer
obedecer, apesar da teimosia diária. Agora com o frio, substituí as minhas
passeatas após o jantar, por uma espécie de caminhada no tapete, mas não é a
mesma coisa. E folgo aos fins de semana, mais por falta de vontade do que por
falta de tempo.
A minha mulher diz que arrasto
demasiado os pés. Também já tinha constatado esse cansaço e a dificuldade em
levantar as pernas.
Empenhei-me numa luta constante
para evitar o desenvolvimento da doença. A minha mulher tem sido uma excelente
ajuda, embora algumas vezes perca um pouco a paciência. Eu sei que não é fácil
para ela. Nem para mim, claro. Nos dias em que os esquecimentos são mais
constante, também eu fico desanimado e desiludido comigo mesmo. Tudo tenho
feito para o desânimo não se apodere de mim, às vezes com algum sacrifício. Às
vezes apetece-me deitar na cama e ficar ali, no escuro, de olhos fechados. Mas
continuo a ler, a escrever, a mexer no computador e a encontrar motivação na
procura de novas músicas.
Tenho alguma dificuldade em
conduzir e sinto essa dificuldade acrescida, na condução nocturna. Estou a
perder a minha concentração e só ainda não tive um acidente, porque também não
ando depressa. Mas tenho a consciência que não está a ser nada fácil. Por vezes,
vejo os carros aparecerem do nada, como se de repente perdessem a sua
invisibilidade. Se eu olhar pro lado metade de um segundo, o mais certo é eu
ter um carro na fila, parado na minha frente. É como se andasse a conduzir, a fumar e a
usar telemóvel ao mesmo tempo.
Minha mulher diz que é o Natal
que me está a pôr nervoso, pelo facto de ser em minha casa. Mas eu acho que não
é nada disso. É a memória a pregar-me partidas, de eu nunca saber onde estão as
chaves do carro, de não saber o nome das pessoas amigas ou da porta do
frigorífico ficar aberta uma noite inteira.
Uma chatice.
Félix Lamartine