Devia ser inventado um chip, com
uma memória incorporada, onde as palavras esquecidas, pudessem ser gravadas e
nós pudéssemos usá-las sempre que a nossa memória original começasse a falhar.
Nem que tivéssemos de começar tudo de novo, como quando começamos a falar. E
aprendíamos a conhecer novamente o D. Afonso Henriques e o Vasco da Gama; os
rios e as serras de Portugal; A linha do Norte e o ramal da Figueira da Foz; O
acordo ortográfico, novo ou velho, que nesta altura da vida tanto faz. E tinham
que nos dizer – para introduzirmos no processo – que fulano e sicrano eram
nossos sobrinhos ou nossos primos. E tinham que voltar a falar de Hitler e de
Salazar, para que nunca mais nos esquecêssemos deles. E levavam-nos ao
cemitério da freguesia e diziam-nos, olha este é o teu pai e aquela a tua mãe.
E no dia de fieis defuntos, quer fosse feriado ou não, lá estaríamos nós a
prestar-lhes a nossa homenagem.
Uma nova memória, sem
esquecimentos, infalível, computorizada.
E aprendíamos de novo a cortar a
barba e a tomar banho; a lavar os dentes e a cortar as unhas; a aprender que
não se pode calçar sapatos bancos no inverno, nem a meter publicamente os dedos
no nariz. Um trabalho árduo, isto de aprender tudo de novo. Mas valia a pena.
Utopias.
Pelo que lemos, muitos países
estão empenhados numa eventual cura da doença de Alzheimer, embora na minha
modesta opinião, os orçamentos dos estados para essa investigação não sejam
suficientes. Os velhos pouco contribuem para o desenvolvimento do país e ainda
dão despesa. Investimento em velho não dá retorno nem desenvolve a economia.
Mas também não podemos ser tão
pessimistas. Continuaremos a ter esperança, enquanto nos esquecemos da água
quente a correr nas torneiras ou deixar escancarada a porta da rua, a noite
inteira.
Pelo menos descobri duas coisas.
Uma, como é difícil tomar banho com água fria, mesmo no Outono; outra, é que na
minha rua não existem ladrões.
Félix Lamartine