Ao longo da vida, Deus tem tornado realidade a maior parte dos meus
sonhos. Só faltava este, ser presenteado com o nascimento de um neto.
Fazem-me falta, as consultas de neurologia ou de psicologia, ter
alguém que me diga se devo continuar a combater uma depressão, que eu nem
sequer sei se é imaginária. Já tentei parar com os antidepressivos, mas senti
logo a falta do comprimido matinal. Ter alguém a quem eu possa confiar os meus
medos e a evolução da perda de memória cada vez mais lenta. O que haverá do
outro lado quando eu não tiver mais memória? A minha luta é manter e alimentar
a memória que tenho, de continuar a ler, apesar da compreensão dos textos ser
cada vez mais difícil. Para colmatar essa dificuldade, à medida que vou lendo,
vou escrevendo um resumo do livro. E depois volto a reescrever no computador
esses resumos. Dificilmente me perco no meio da história ou esqueço o nome dos
personagens.
Sou um privilegiado porque
continuo a sentir a música como antigamente, dá a impressão que a perda de
memória, não alterou todos os sentidos da mesma maneira, embora não sinta a
música sempre de igual modo. Depende do meu estado de espírito, do meu dia ser
recheado com mais episódios positivos que negativos.
As mãos tremem com bastante frequência. Tremem muito mais se fico
nervoso. Às vezes não sei como controlar essas tremuras. Escondo as mãos dos
olhares reprováveis de outras pessoas. Como se eu tivesse culpa. Quando me
esqueço de alguma coisa fico pior se abanam a cabeça de desagrado, aumentando a
carga do meu sentimento de culpa. Como se eu fosse uma criança problemática,
que não sabe o que faz.
Elisa.
Na hora de me dar alta, a neurologista disse-me: Você vai ter tempo de
ver nascer a sua neta e de a ver crescer.
Félix Lamartine