Em vez de colocar as meias no
cesto da roupa suja, ontem à noite atirei-as para o cesto dos papéis da casa de
banho.
Fui, novamente, à consulta de
Neurologia. Disse à médica que me sentia pior, ela olhou para mim, duvidosa e
acabou por me mandar a uma consulta de psicologia com a doutora Teresa Ferreira
(já que você gosta tanto dela! - disse a doutora Berta). Portanto, no dia
1 de Junho vou efectuar novos testes, mas contrariamente às minhas
expectativas, a consulta vai ser dada pelo doutor João Vaz.
Tento esquecer-me das minhas
falhas de memória, quase seguidas. Num minuto posso esquecer-me duas ou três vezes.
“Ainda a semana passada estivemos
a falar disso”.
Como se eu fosse capaz de me lembrar do que dissemos a semana passada. Ou mesmo ontem. Às vezes coloco em dúvida ter
estado, algum dia, “a falar disso”. Dou, quase sempre, o benefício da dúvida.
Estive a falar com o Celestino, meu amigo de
infância e vejo-o com uma enorme dificuldade em pronunciar as palavras e
parece-me tão esquecido como eu. Aliás queríamos falar do acidente da ponte de Entre-os-Rios
e um dizia que era a ponte de Castelo de Paiva e o outro, a ponte da Lomba e
ficamos ali, os dois, como dois tolos no meio da ponte. Bem o Celestino também
não tem tido uma velhice calma e feliz. Tem tido alguns problemas de saúde e a
memória também começa a colapsar de vez em quando. A palavra está sempre na
ponta da língua, como ele costuma dizer.
De que é que tenho pena?
De perder a faculdade de apreciar
a voz de Natalie Merchant.
De não ter tempo para ser avô.
De um dia não ser capaz de
entender todos aqueles que eu amo.
A leitura torna-se agora mais lenta
e às vezes difícil de perceber. Leva mais tempo a processar o que o autor nos
quer transmitir. E também depende do ambiente que nos rodeia e da complexidade
do livro. Alguns livros, eu só leio no sossego da madrugada, aqui em casa. É o
que acontece agora, com a “Explicação dos Pássaros” de António Lobo Antunes.
Tenho a consciência que a vida
tem que ter um fim. Que seja sem memória, que importa?
Pelo Natal minha filha
ofereceu-me uma viola. Já lá vão quatro meses e ainda não consegui afiná-la.
Félix Lamartine