Não estou zangado com Ele. Nem
revoltado. Claro que tenho falado com Deus e já lhe disse que estou apreensivo,
como é natural numa doença destas. Não tenho razão de queixa. Tem sido meu
amigo ao longo da vida, não tenho quaisquer razões para pensar que Ele estará a
castigar-me por qualquer erro cometido durantes os anos que vivi na Terra.
Sempre guiou os meus passos, foi sempre um amigo, tive sorte e uma existência
serena, sem doenças, nem desgostos.
Não fui homem de andar sempre
metido na igreja, mas conversávamos todos os dias. Há mais de sessenta anos que
mantenho este diálogo com Ele. Bem, confesso que é uma espécie de monólogo, mas
eu sinto que ele está sempre do outro lado a ouvir-me. E enquanto puder e a
minha memória o permitir, vamos continuar a conversar um com o outro. Eu sei
que um dia não me vou lembrar das palavras, mas para já, digo as suficientes
para Ele me entender.
Já Lhe disse que não queria
sofrer muito e essencialmente não fazer sofrer os outros. Ele sabe que nunca
duvidei da sua existência embora eu saiba que ele não esteve sempre com os
olhos postos em cima de mim. Penso eu. Mas sempre soube que as minhas preces
chegavam até Ele, mesmo nos velhos tempos em que os meios de comunicação não
eram tão sofisticados como aqueles que existem hoje.
Agora só lhe peço, que se
acontecer o que é previsível, não gostaria de fazer sofrer os outros. Eu sei
que não está nas mãos Dele, que o problema está nos genes, que os culpados
foram os meus antepassados e que há muita gente a sofrer de igual maneira e que
eu tenho que arcar com a minha quota-parte de sofrimento.
Claro que lhe peço algumas coisas
quando converso com Ele, especialmente que dê paciência a quem cuidar de mim.
Tenho dias que penso um pouco no futuro, mas já consegui interiorizar que não
há nada a fazer. Apenas esperar não sei por quantos dias, semanas ou meses, sem
stress, sem dramas.
Mas para já, eu e Ele, temos
muito que conversar.
Félix Lamartine