Tenho consulta na neurologista no próximo mês. Que lhe vou dizer? Não
posso dizer-lhe que esteja pior, embora ao longo deste ano eu tenha tido
momentos difíceis, a precisar de acompanhamento médico, a precisar de ajuda.
Tive – e ainda tenho – um grave problema de sonolência que me “obriga” a passar
as manhãs na cama, sem força nem vontade para me levantar. Mesmo durante o
resto do dia essa sonolência faz-se sentir, apesar dos meus esforços em
afastá-la. Estou no entanto a “melhorar”, a dormir apenas oito ou nove horas,
mas com muitas interrupções. O problema é que eu gosto dessas manhãs na cama, como se aquela preguiça fosse uma virtude.
A doença do meu cunhado também veio abalar a minha confiança.
Aparentemente está com Alzheimer, num estado mais avançado da doença, passa o
dia deitado, mal se sustem nas pernas, não caminha e o apetite é cada vez
menos. Assistir à degradação do seu estado não tem ajudado a olhar o futuro com
optimismo.
Mas eu tento lutar. Eu diria mesmo que tenho vivido os melhores dias
da minha vida. Existe uma paz interior, consciente e sem ansiedade. A verdade é que me
satisfaço com menos, não atravessei ainda a fase do desencanto. Tudo aquilo
que eu possa disfrutar no dia a dia, é uma dádiva. Tenho prazer na leitura,
na internet, no contacto com as pessoas de quem gosto. Sinto-me cansado das
pernas, mas enquanto o tempo o permitir, não quero interromper as caminhadas.
Por isso não sei o que vou dizer à neurologista. A não ser falar do
excesso de sono e da falta de vontade. E claro, da perda de memória, cada vez
mais agravada. E também adivinho o que ela me vai dizer.
Félix Lamartine